segunda-feira, 16 de abril de 2018

A Favela Me Trouxe Uma Adolescência Fora do Convencional

Ser gay e negro não são as únicos fatos sobre mim que puderam me providenciar uma experiência fora da forma padrão de se ter uma adolescência. Eu cresci em um favela do interior do Rio de Janeiro e isso apesar de ter criado a personalidade incrível que tenho hoje (sendo bem modesto), me gerou um desconforto desde o início de minha criação, tanto a ponto de até hoje eu ainda me sentir desconfortável em falar sobre.

Eu cheguei a nascer em uma casa de classe média, só que ao completar cerca de 2/3 anos, os meus pais se separaram e minha mãe teve de correr para as asas de sua mãe (minha vó) para sobreviver em sua nova realidade de mãe solteira de dois filhos. A minha vó era uma mulher solitária, que também teve de criar seus 3 filhos em um dificil mundo machista que podava as suas esperanças de crescimento socioeconômico.

Minha vó, morava em uma casa em um lugar isolado na favela. Haviam campos em volta de nossa casa, era uma casa sem reboco nas paredes e com janelas pequenas de metal. Eu cresci nesse lugar. Não haviam vizinhos muito próximos, e os mais próximos, não davam a minima para nossa existência naquele local. Os meus parentes também evitavam aparecer em um lugar como aquele, então a casa era mais um local intimo onde só haviam eu, meu irmão, minha mãe e minha vó.

Durante a minha fase de escola, os meus colegas de classe sempre questionavam onde eu morava, pois todos eles moravam próximos uns aos outros ou no minimo já tinham se visitado. Porém, eu tentava dizer o minimo possível para esconder onde eu realmente morava, pois sabia que aquele seria mais um fardo se carregar durante a escola. Eu sabia o que diziam sobre aquelas pessoas que moravam na favela.

Quando vamos amadurecendo, vamos aos poucos aceitando quem realmente somos e de onde viemos. Precisamos passar por essas etapas para nos encontrar de fato. Eu sempre soube que era gay e me assumir para a sociedade e para os meus pais foi algo pouco complicado. Eu demorei para me entender como uma pessoa negra, pois o fato de ser mestiço fez com que o meu entendimento como pessoa negra fosse um processo dificil, aliás, essa sociedade faz com que queiramos nos "salvar" dessa característica.

Agora, me entender como um favelado, criado na favela, é uma visão que ainda está se desconstruindo em minha mente. Isolei-me de mais das pessoas por conta disso, uma coisa tão simples. É apenas o lugar onde eu cresci. Obviamente eu tive uma formação diferente das pessoas que foram criadas em outras realidades, mas a minha carga cultural pode ser tão interessante quanto de qualquer outra pessoa.

Apesar desse fardo que tinha que carregar, hoje consigo ver que foi um fardo desnecessário. Eu não vivi muito da favela pois estava sempre isolado dentro de casa. Porém, a vista do local é algo de que me recordo, e eu adorava ficar observando carros minúsculos nas avenidas que passavam próximas a favela onde habitava. Também a experiência de descer os morros de bicicleta, isso era algo cativante de fato.

Talvez se eu fosse uma criança mais resolvida, eu seria uma criança menos solitária. Gostaria de voltar no tempo e me dizer "aceite as suas raízes e assim tudo será enfrentado de forma leve." Será esse sentimento de vergonha criado apenas pela sociedade cruel que está sempre nos fazendo culpados por não nos encaixarmos nas caixinhas sociais, ou seria a culpa de uma má criação, que infelizmente não me fez entender de maneira correta o que eu realmente era?

Hoje, estou em busca de autoconhecimento. Preciso retornar ao passado e me encontrar, para que assim, eu possa voltar a prosseguir em direção ao futuro. Como posso continuar minha caminhada sem entender para onde estou indo, né?


Você também possuem algo que ainda não aceitam em vocês mesmos? Algo de sua história que tem vergonha de contar? Compartilhe nos comentários. Adoraria saber que não estou sozinho.

Por Wesley Belarmino.

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