segunda-feira, 30 de abril de 2018

O Mulato

Conforme vamos amadurecendo, vamos passando a perceber quem somos e qual espaço ocupamos na sociedade. Eu particularmente não costumava parar para pensar sobre minha descendência, pois achava que era algo que não era relevante para minha existência. Talvez, isso seja porque a minha família não soube me passar essa vontade de manter um legado, coisa que algumas famílias costumam ter. Só que hoje consigo ter a ciência que isso é muito importante para o meu conhecimento próprio.

Conheço um pouco da história de família da minha mãe. Nossa família veio da Itália com as imigrações massiva dos italianos no final do século XIX. Entendo que meus descendentes por parte de minha mãe foram expulsos da Europa pelo crescimento demográfico no processo de industrialização. Minha família não era muito importante, mas eu consigo seguir uma linha temporal de registros para encontrar alguns antepassados de minha família por parte materna. Tenho feito isso ultimamente para tentar me conhecer um pouco.

Porém, onde eu quero chegar com essa questão é que: a minha descendência paterna (cujo é afrodescendente) foi apagada. Eu sequer sei como a minha família por parte paterna chegou no Brasil. Digo, sei como chegou e que não chegou em boas condições, porém existem 54 países no continente africano com culturas e histórias diferentes, e eu não tenho a menor ideia de onde eles vieram. Como foi a história deles? Eles provavelmente foram massacrados e tratados como qualquer coisa por outras etnias, foi uma galera que foi tratada como lixo! Até o momento, eu só sei disso.

É dificil olhar para trás e tentar entender tamanha perversidade nos atos que foram atuados contra meu povo. Isso são coisas que não aconteceram em menos de um século pra trás e isso não é muito tempo. Além do mais, temos cicatrizes desses acontecimento que carregamos em nossa sociedade e que estão o tempo todo tentando silenciá-las ao invés de saná-las, como se o que ocorreu fosse algo que pudesse ser apenas ignorado. 

Enfim, poderia usar o momento para problematizar muito neste texto, só que não é a minha intenção no momento. Só gostaria de tentar passar um pouco da minha visão de vida para vocês, pois está é a intenção do meu blog pessoal. E dizendo por mim, como uma pessoa mestiça, eu me importo e sofro por meus irmãos e irmãs de minha comunidade negra da qual, sim, eu faço parte.

Alguns podem tentar me salvar dessa minha característica, dizendo coisas como "Aah... mas você não é tão negro assim...", como se ser negro fosse algo que te 'denegrisse'. Ou até tentar me excluir do movimento por eu ser beneficiado por ter uma pele clara, como se o fato de eu ter uma pele clara me isentasse totalmente de sofrer preconceito ou de me preocupar com a história dos meus antepassados. Sim, entendemos que há um impacto diferente da sociedade na vida de pessoas negras com pele mais clara para pessoas negras com pele mais escura, só que isso não isenta o meu protagonismo dentro do movimento.

Eu sinto que as pessoas me tratam de forma diferente muitas vezes e você consegue perceber que é por conta da cor da pele. Já fui muito sexualizado, como sendo apenas uma pessoa legal para se ter um bom coito, porém não sendo uma possibilidade de envolvimento amoroso na vida da maioria das pessoas com que já me envolvi. De fato, não há idealização de um relacionamento saudável com pessoas negras em na nossa sociedade atual. 

Agora, não sou afetado só nisso, né? Tem aquelas corridinhas que a gente dá para pegar o ônibus ou não chegar atrasado em algum lugar e as pessoas ao redor acabam ficando com medo de ser assaltadas por você. Realmente da vontade de assaltá-las só pra elas deixarem de ser toscas, pois isso é algo muito chato pra mim. E vou percebendo mais ataques como esse conforme eu deixo as minhas características negras mais expostas, como por exemplo, tenho deixado o meu cabelo crescer e ele é crespo, automaticamente as pessoas não respondem isso de forma positiva.

Bom, a mensagem pro dia de hoje, é que tentemos entender mais o próximo e principalmente nossos familiares. Todos nós temos a nossa construção como pessoa, e isso não começa apenas de nós mesmos. Muita coisa que carregamos vem lá de trás, muito antes de nossos pais. Então, por mais que tenha coisa que as pessoas fazem que acabam incomodando, temos que tentar entender que as atitudes veem de construção social. Obvio que isso não isenta a pessoa de ser corrigida, temos que evoluir, ok? Só sejam pacientes e não deixem a sua história ser esquecida.



E você? O que tem a me dizer sobre sua história? Consegue se conhecer um pouco mais através dela?

Por Wesley Belarmino!

segunda-feira, 16 de abril de 2018

A Favela Me Trouxe Uma Adolescência Fora do Convencional

Ser gay e negro não são as únicos fatos sobre mim que puderam me providenciar uma experiência fora da forma padrão de se ter uma adolescência. Eu cresci em um favela do interior do Rio de Janeiro e isso apesar de ter criado a personalidade incrível que tenho hoje (sendo bem modesto), me gerou um desconforto desde o início de minha criação, tanto a ponto de até hoje eu ainda me sentir desconfortável em falar sobre.

Eu cheguei a nascer em uma casa de classe média, só que ao completar cerca de 2/3 anos, os meus pais se separaram e minha mãe teve de correr para as asas de sua mãe (minha vó) para sobreviver em sua nova realidade de mãe solteira de dois filhos. A minha vó era uma mulher solitária, que também teve de criar seus 3 filhos em um dificil mundo machista que podava as suas esperanças de crescimento socioeconômico.

Minha vó, morava em uma casa em um lugar isolado na favela. Haviam campos em volta de nossa casa, era uma casa sem reboco nas paredes e com janelas pequenas de metal. Eu cresci nesse lugar. Não haviam vizinhos muito próximos, e os mais próximos, não davam a minima para nossa existência naquele local. Os meus parentes também evitavam aparecer em um lugar como aquele, então a casa era mais um local intimo onde só haviam eu, meu irmão, minha mãe e minha vó.

Durante a minha fase de escola, os meus colegas de classe sempre questionavam onde eu morava, pois todos eles moravam próximos uns aos outros ou no minimo já tinham se visitado. Porém, eu tentava dizer o minimo possível para esconder onde eu realmente morava, pois sabia que aquele seria mais um fardo se carregar durante a escola. Eu sabia o que diziam sobre aquelas pessoas que moravam na favela.

Quando vamos amadurecendo, vamos aos poucos aceitando quem realmente somos e de onde viemos. Precisamos passar por essas etapas para nos encontrar de fato. Eu sempre soube que era gay e me assumir para a sociedade e para os meus pais foi algo pouco complicado. Eu demorei para me entender como uma pessoa negra, pois o fato de ser mestiço fez com que o meu entendimento como pessoa negra fosse um processo dificil, aliás, essa sociedade faz com que queiramos nos "salvar" dessa característica.

Agora, me entender como um favelado, criado na favela, é uma visão que ainda está se desconstruindo em minha mente. Isolei-me de mais das pessoas por conta disso, uma coisa tão simples. É apenas o lugar onde eu cresci. Obviamente eu tive uma formação diferente das pessoas que foram criadas em outras realidades, mas a minha carga cultural pode ser tão interessante quanto de qualquer outra pessoa.

Apesar desse fardo que tinha que carregar, hoje consigo ver que foi um fardo desnecessário. Eu não vivi muito da favela pois estava sempre isolado dentro de casa. Porém, a vista do local é algo de que me recordo, e eu adorava ficar observando carros minúsculos nas avenidas que passavam próximas a favela onde habitava. Também a experiência de descer os morros de bicicleta, isso era algo cativante de fato.

Talvez se eu fosse uma criança mais resolvida, eu seria uma criança menos solitária. Gostaria de voltar no tempo e me dizer "aceite as suas raízes e assim tudo será enfrentado de forma leve." Será esse sentimento de vergonha criado apenas pela sociedade cruel que está sempre nos fazendo culpados por não nos encaixarmos nas caixinhas sociais, ou seria a culpa de uma má criação, que infelizmente não me fez entender de maneira correta o que eu realmente era?

Hoje, estou em busca de autoconhecimento. Preciso retornar ao passado e me encontrar, para que assim, eu possa voltar a prosseguir em direção ao futuro. Como posso continuar minha caminhada sem entender para onde estou indo, né?


Você também possuem algo que ainda não aceitam em vocês mesmos? Algo de sua história que tem vergonha de contar? Compartilhe nos comentários. Adoraria saber que não estou sozinho.

Por Wesley Belarmino.